Texto: Alexandre Carvalho/Cesvi BrasilDo escapamento para o organismo humano
Diretor de meio ambiente da Abramet explica como os poluentes de veículos mal conservados afetam nossa saúde
(23-03-10) – A indulgência governamental, permissiva quanto a veículos em estado inadequado em nossas vias, não apenas provoca mortes desnecessárias em função dos acidentes causados. Carros velhos, desregulados e sem sistemas modernos desenvolvidos para minimizar a emissão de poluentes também matam aos poucos, no longo prazo.
É o que vem sendo cada vez mais comprovado por estudos ao redor do mundo, que procuram identificar os danos ao organismo humano e também ao meio ambiente, provocados pela poluição. Segundo Henrique Naoki Shimabukuro, diretor de meio ambiente da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), cerca de 60% da poluição produzida é decorrente da ação dos veículos. Um problema de dimensões trágicas, se você pensar que, numa cidade grande como São Paulo, algo em torno de 12 mil mortes/ano são atribuídas à poluição, direta ou indiretamente.
Para nos aprofundar na questão dos poluentes e sua ação sobre os seres humanos, a REVISTA CESVI entrevistou o doutor Shimabukuro. Sua entidade, que apoia o CESVI em uma série de iniciativas voltadas para a segurança do trânsito, é a referência máxima no País quando se trata de relacionar saúde e automóvel.
Qual a relação entre carros antigos e mal conservados e a poluição das grandes cidades?
A tecnologia automotiva, antes, não era voltada para a redução da emissão de poluentes. Isso faz com que os carros antigos sejam grandes poluidores. Por isso, é fundamental encontrar caminhos para estimular a renovação de frota. A Abramet já está presente em uma comissão de prevenção a produtos perigosos, que estuda diretamente a emissão de poluentes. Há um grupo de trabalho que estuda a posição do motorista profissional frente à exposição a esses componentes, e como uma manutenção mal feita, ou não feita, pode agravar esse problema.
Mas, embora estejamos falando de motorista, os poluentes dos automóveis atingem a população em geral, de modo que todos podemos desenvolver alguma patologia. Hoje já se sabe, por exemplo, que a poluição de São Paulo não está limitada à cidade de São Paulo. O que é produzido na capital acaba chegando às cidades do interior do Estado.
O fato de termos hoje veículos flex, criando uma opção maior para o uso do álcool, é positivo para o meio ambiente?
Em termos. O álcool como combustível é menos poluente, sem dúvida, mas é preciso pensar na cadeia produtiva. O etanol não ficou popular no exterior porque há muito desmatamento e geração de gás carbônico no seu processo de produção. No fim das contas, acaba empatando com a poluição gerada pelos combustíveis fósseis.
Quais as novidades no estudo de como os poluentes dos carros afetam nossa saúde?
Estudos recentes estão demonstrando os efeitos terríveis de componentes que, até outro dia, eram completamente ignorados: os chamados POPs (poluentes orgânicos permanentes), exemplificados pelas dioxinas e os furenos, que são originados principalmente a partir dos compostos orgânicos de combustíveis fósseis. Diferentemente do enxofre e do dióxido de carbono, que estão em grande presença na fumaça dos carros, dioxinas e furemos estão em quantidade muito pequena. Mas o problema é que são elementos cumulativos. Ou seja, vão se acumulando no corpo humano com o prolongamento da exposição da pessoa a esses componentes. Ingerimos uma parte ínfima no nosso dia a dia, mas eles vão se acumulando no nosso organismo, e um dia se manifestam. Para se ter uma ideia do efeito das dioxinas, elas são matérias-primas das bombas de Napalm, usadas no Vietnã.
Como esses produtos são gerados pelo carro?
É o processo de combustão em alta temperatura, combinado com o cloro, que vai originar essas substâncias, que são sintéticas e estão presentes nos escapamentos de carros movidos a gasolina e diesel. Estudos apontam que esses poluentes estão relacionados com a maioria dos cânceres.
Então provocam outros tumores, além do de pulmão?
Os sistemas do corpo mais atingidos são o circulatório e o cardíaco, mas também afetam outras partes do corpo. As dioxinas, assim como outros poluentes, caem nas correntes de ar e viajam quilômetros. Caem nos pastos, que servem de alimentos para os animais, e acabam depositadas na gordura desses animais. E nós acabamos consumindo essas substâncias. Como são cumulativas, vão para a nossa gordura, o que explica tumores em outras partes do corpo. Essas substâncias são ainda mais perigosas quando nos atingem via ingestão. Nos Estados Unidos e na Europa, um estudo verificou o grau de contaminação por dioxinas na manteiga.
Que outros danos são provocados pelas dioxinas?
Estudos mostram que a dioxina pode até reduzir a população masculina. A dioxina provoca diminuição dos testículos e outros problemas no aparelho reprodutor masculino, o que tem influência no fato de que a maior parte dos abortos hoje em dia é de homens. Os poluentes vão para os pólos, e têm influência no surgimento de ursos polares hermafroditas.
Por serem depositados no fundo do mar, provocam câncer em baleias, que se alimentam de bichos que ficam no fundo do mar.
Quais os outros problemas ligados à falta de manutenção preventiva dos veículos?
Carro com má conservação é um problema capital para a saúde pública. Eu destacaria o vazamento de óleo, que é problema comum em carros em mau estado. Para se ter uma ideia, uma tonelada de óleo no solo equivale a dejetos de uma cidade de 40 mil habitantes.
Este óleo vai impermeabilizar o solo e barrar a troca de oxigênio, tornando-o estéril. O mesmo em relação à água: o óleo barra o oxigênio e mata algas e peixes, que se veem incapazes de respirar. Para que não vaze óleo nas vias, a manutenção dos veículos é primordial.
Lembrando que também não adianta fazer a manutenção corretamente se o proprietário do
veículo resolver trocar o óleo sozinho, porque sempre deixa cair um pouco no chão.
O correto é procurar um posto especializado?
Sim, mas os locais de troca também precisam tomar certos cuidados, porque às vezes as empresas até direcionam o óleo corretamente, mas acabam jogando estopas e outros materiais contaminados no lixo comum. E o problema não é só a troca de óleo. A própria lavagem do carro na rua, coisa que muita gente faz, joga na via óleo e metais pesados, que saem na lavagem e acabam na rede de água. Nos postos equipados corretamente para fazer essa lavagem, a água termina em canaletas que a direcionam para caixas coletoras. Aí, sim, esta água contaminada vai receber um tratamento adequado.